Lendo William Barclay, esse notável exegeta da Palavra de Deus e que é também um crítico sutil e espiritual das coisas de nossa época, tivemos a ideia de escrever este editorial. Pensamos em intitulá-lo "A Arte de Criticar", mas depois achamos que seria título por demais pretensioso. Há, entretanto, uma arte de criticar, e aqueles que a ela se dedicam poderiam tomar em consideração os quatro pontos em que fixamos dois pontos negativos e dois aspectos positivos dessa arte.
Primeiramente, os negativos. Há uma crítica que visa unicamente ferir o próximo. O crítico, nesse caso, quer fazer sofrer. Nisso deleita-se. É uma espécie de sadismo, a merecer tratamento enérgico. Para esse crítico nada presta. Ele eslá mal do fígado ou está mal com o mundo. É dessas pessoas que dizemos serem "do contra". Em muitos casos, viram-se frustrados em algum plano ou pretensão e agora, tendo oportunidade de falar ou de escrever, extravasam seu despeito ou sua frustração. Vingam-se nos outros daquilo que sofreram. Como foram magoados, querem compensar-se magoando. Tal crítica pode revelar pontos fracos na obra criticada, mas provoca sensação de mal-estar. É inadmissível da parte de um crente. Porque o crente deve ser um permanente cultivador da boa vontade para com os homens. Embora tudo lhe pareça ruim no trabalho de outrem, procurará distinguir alguma coisa que preste, e, se fizer crítica, há de fazê-la positivamente, como daqui a pouco veremos.
O segundo aspecto negativo é o da crítica apenas para afirmar superioridade. Nesse caso o crítico, quando se manifesta, é como se estivesse dizendo: "Vejam como sou superior. Vejam como sou melhor. Vejam como sou mais inteligente e mais capaz. Se fosse realizar esse trabalho, não cometeria erros tão graves. É preciso que todos me leiam (ou me ouçam) para ficarem sabendo como as coisas devem ser feitas." Tal crítica também faz mal, porque ninguém gosta de assistir a demonstrações assim tão escancaradas de auto-suficiência. E muitos se sentirão inclinados a estabelecer comparações entre o trabalho criticado e a ausência de qualquer produção, que é frequente em muitos críticos desse tipo. Muitas vezes esse crítico descamba para a ironia ou a mordacidade e pode até impressionar leitores ou ouvintes durante algum tempo, até que todos entendam sua psicologia e vejam que essa ironia ou mordacidade são apenas expressões de impotência. Evidentemente, um crente não pode ser essa espécie de crítico, porque o crente autêntico é humilde e modesto, não se julga superior aos outros e não se compraz em humilhar ou diminuir ninguém.
O primeiro aspecto positivo é o da crítica para melhorar a si mesmo. Nesse caso, muitas vezes a crítica nem se torna conhecida dos outros. O crítico observa o que lhe parece ser falho no trabalho ou produção do criticado e se volta para dentro de si mesmo, a ver se, porventura, não tem cometido erros semelhantes ou, talvez, ainda mais graves. Intimamente, agradece essa oportunidade de auto-exame que lhe é proporcionada. Nas Escrituras muitas vezes encontramos a descrição de coisas más para servirem de escarmento aos que desejam praticar o bem. Esse tipo de crítica raramente é
comunicado, porque o crítico fica de tal maneira preocupado consigo mesmo que trata de autocriticar-se primeiro e, por vezes, tão-somente.
O segundo aspecto positivo é a crítica feita com amor. Pode ser falada ou escrita. Pode ser que o criticado não compreenda as intenções do crítico, mas os outros leitores e ouvintes compreenderão e agradecerão, porque mediante a crítica puderam fazer uma apreciação da obra em consideração. O que critica com amor reconhece os méritos evidentes ou em potencial do criticado e deseja sinceramente ajudá-lo. Se o criticado é humilde poderá melhorar sempre. Somos dos que acreditam que a crítica é necessária. Mas assim: com amor, com sincero interesse no crescimento e no aperfeiçoamento do que é criticado. Nada de expressar superioridade, nada de desforços pessoais. Os que recebem esse tipo de crítica podem não reconhecer seu valor ou sua justeza no primeiro impacto, mas depois, sendo humildes e crentes, hão de reconhecê-los e agradecer àquele que lhes chamou, com amor, a atenção para os erros cometidos.
É uma arte a ser cultivada. A boa crítica melhora. A má crítica agasta. Como crentes, devemos estar prontos a receber críticas assim. E, como crentes, devemos estar prontos a ajudar desse modo nosso próximo, que, tantas vezes, por razões tantas vezes compreensíveis, não é capaz de distinguir sozinho aquilo que lhe enfeia ou prejudica as obras que produz no terreno da literatura, da poesia, da música, de outras artes e no trabalho cristão em geral.
PEREIRA, José dos Reis, Mensagem: contos e crônicas - JUERP, Rio de Janeiro, 1989
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